Matteo Renzi, premiê da Itália, renunciou neste domingo (4) após a derrota do referendo que havia convocado. “A experiência do meu governo termina aqui”, afirmou.
Eleitores rejeitaram a sua proposta de reformar a Constituição. Não há ainda um resultado definitivo até aqui, mas a contagem nas urnas aponta que mais de 60% dos eleitores votaram pelo “não”.
Em um emotivo discurso à 0h30 local (21h30 em Brasília), Renzi assumiu a responsabilidade pela derrota e afirmou não crer em um modelo “em que todos criticam o sistema por décadas e então não querem mudá-lo”.
A derrota do premiê italiano é uma derrota também para a União Europeia, favorecendo movimentos populistas como o Cinco Estrelas, antissistema, e o Liga Norte, partido contrário à migração.
Matteo Salvini, o líder da Liga Norte, comemorou a vitória do “não” com uma mensagem na rede social Twitter: “Viva Trump e viva Putin”. Marine Le Pen, da extrema direita francesa, também celebrou o “não”.
O premiê italiano havia proposto e defendido a reforma na Constituição, a maior mudança no texto desde a Segunda Guerra (1939-1945).
Com sua ameaça de renunciar no caso de o referendo não ser aprovado, o voto passou a ser visto como uma maneira de punir o governo. O grau da derrota indica a dimensão da insatisfação.
Renzi assumiu o cargo em 2014 como uma promessa política. Mas sua popularidade está em queda devido à persistência dos entraves econômicos, apesar das promessas do governo. O PIB (Produto Interno Bruto) deve crescer 0,8% durante ano.
A crise italiana está relacionada ao restante do continente europeu, onde movimentos contrários ao “establishment” político têm se fortalecido. Um candidato da extrema-direita chegou próximo à Presidência da Áustria neste domingo (4).
O referendo italiano não estava diretamente vinculado à União Europeia. Mas analistas apontam que a vitória do “não” poderia desencadear uma crise política que culminaria em sua saída do bloco, como a votada em junho no Reino Unido.
A União Europeia e sua moeda comum, o euro, são considerados por parte da população italiana como a causa da estagnação econômica e da crise política.
SENADO
Brasileiros com cidadania italiana puderam votar por correio enviando suas cédulas até 1º de dezembro. Estima-se que 30% dos cerca de 400 mil eleitores no Brasil tenham participado do referendo. Havia no total 51 milhões de possíveis eleitores.
Houve campanha pelo voto, como a capitaneada pela ítalo-brasileira Renata Bueno, eleita em 2013 para a Câmara dos Deputados da Itália.
O texto votado no referendo propunha alterações na Constituição tendo em vista simplificar a burocracia do país. Por exemplo, os prazos para a aprovação de leis.
Hoje a Câmara e o Senado têm o mesmo poder na Itália. O governo afirma que a paridade emperra os processos.
Renzi propôs, portanto, que o Senado fosse esvaziado. O número de senadores diminuiria de 315 para 100 e a Casa não poderia, por exemplo, dissolver governos.
O Senado tampouco poderia aprovar leis, tornando-se assim uma espécie de órgão de consulta. Senadores só teriam poder de decisão em casos restritos, como as modificações na Constituição.
Outra mudança proposta pelo premiê era centralizar o poder em Roma, diminuindo a importância de entidades regionais. Esse ponto, em específico, foi bastante criticado como indício de demasiada concentração na capital.
DIVISOR
Movimentos populistas, como o Cinco Estrelas, podem beneficiar-se da insatisfação popular -mesmo que tampouco ofereçam as suas soluções à crise econômica.
Beppe Grillo, líder do Cinco Estrelas, chegou a sugerir que os eleitores votassem a partir do “instinto” e rejeitassem o referendo de Renzi.
“Não adiante eu explicar o referendo para vocês. Vocês não vão entender. Nem eu entendo”, afirmou Grillo.
A ideia de voto por “instinto” era estimulada pela sensação de que o referendo era técnico e complicado.
Apenas 17% da população “conhecia bem” o que estava em discussão no referendo, segundo uma pesquisa divulgada pelo canal italiano Rai. A maior parte (46%) afirmava ter um conhecimento “superficial” do voto.
DIOGO BERCITO
MADRI, ESPANHA (FOLHAPRESS)