Agência Estado – Marcelo Camargo/ABR
Em encontro inédito, cinco ex-ministros da Cultura divulgaram um manifesto contra as políticas culturais do governo Bolsonaro na manhã desta terça, 2, na USP (Universidade de São Paulo). Sem propostas mais detalhadas, suas falas condenaram a “demonização” da classe artística, de projetos culturais e, sobretudo, do fim do MinC, que passou a ser uma secretaria subordinada ao Ministério da Cidadania desde a posse de Bolsonaro.
Estavam na mesa Luiz Roberto Nascimento Silva (ministro na gestão de Itamar Franco, entre 1993 e 1994); Francisco Weffort (ministro de Fernando Henrique Cardoso, de 1995 a 2002); Juca Ferreira (ministro duas vezes, de Lula, entre 2008 e 2010, e de Dilma, em 2015 e 2016); Marta Suplicy (ministra de Dilma, entre 2012 e 2014); e Marcelo Calero (ministro por sete meses de Temer, em 2016).
Eles primeiro se reuniram em sala fechada para redigirem o manifesto, que logo depois foi entregue em uma folha de papel sulfite aos jornalistas. Assim começa o documento: “Nós, ex-ministros da Cultura que servimos ao Brasil em diferentes governos, externamos nossa preocupação com a desvalorização e hostilização à cultura brasileira. Reafirmamos a importância da cultura em três dimensões básicas como expressão da nossa identidade e diversidade, como direito fundamental e como vetor de desenvolvimento econômico, contribuindo decisivamente para a geração de emprego e renda.”
A parte que condena mais claramente o fim do MinC diz: “A extinção do MinC é um erro. A existência do Ministério tem garantido um olhar à altura da relevância da cultura e da arte na vida brasileira. Mesmo com recursos limitados, a pasta foi capaz de defender, formular, fomentar, criar e inovar a relação do Estado com a sociedade no plano da cultura, em respeito às tradições brasileiras desde o Império. A arte e a cultura brasileira, além de sua relevância interna, têm contribuído para uma imagem positiva no exterior. O interesse efetivo por diversas manifestações e criações culturais brasileiras é razão de orgulho e ativo importante da afirmação do país no conjunto das nações.”
Calero disse da importância de se reafirmar a cultura como política de Estado. “E reafirmá-la como vetor de desenvolvimento econômico e social.” As falas nem sempre foram em uníssono. Marta falou da importância de se ter o Estado como sustentação. “Fizemos com esse documento um afunilamento de percepções desse retrocesso civilizatório que estamos vivendo.” Ela chamou o fim do MinC de erro crasso: “Estamos sendo asfixiados”. Luiz Roberto Nascimento Silva disse que gostaria que o governo atual interpretasse as colocações não apenas como manifesto, mas como ato colaborativo não partidário. Juca Ferreira discordou: “Da minha parte, é crítica sim e defesa da Cultura. Colaboração seria demais.” Luiz Roberto respondeu. “Colaboração não na dimensão política.”
A reportagem questionou o grupo dos cinco sobre a necessidade do diálogo em um País já polarizado o bastante. Um “armistício cultural”, chamando integrantes do próprio governo para estarem naquela sala de forma que a reunião de cinco experientes nomes da gestão cultural, com o que fizeram de certo e de errado, fosse aproveitada para além de um manifesto. Juca foi incisivo: “A sua pergunta tem um erro de origem. Parece que há um belicismo das duas partes, mas não é assim.” Ele falou das perdas que o setor sofre por parte do governo e de posturas que impediriam o diálogo. Marta voltou ao assunto: “Me sinto falando com uma parede (o governo). Eles não entendem nem qual é o conceito de cultura.”
O secretário de Cultura de Bolsonaro, Henrique Pires, estava coincidentemente participando de um seminário na Biblioteca Brasiliana da mesma USP, no mesmo horário. Questionado sobre o encontro a alguns metros dali, ele respondeu: “Se eles produzirem algum documento e nos entregarem, vamos receber e ler com atenção.” O que há é um manifesto.