Inteligência artificial tenta prever quando as pessoas vão morrer

Max Pixel
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Agência Estado – Foto: Max Pixel

Embora a única certeza da vida seja a morte, ninguém sabe dizer quando cruzará a fronteira final da existência. Mas, no que depender de sistemas de inteligência artificial (IA), essas incertezas serão cada vez menores. Em vários países, universidades e empresas já treinam algoritmos médicos para fazer previsões sobre óbitos, com base em informações de saúde e hábitos de qualquer pessoa. A ideia passa longe de curiosidade mórbida: munidos de informação, médicos poderão tomar decisões e ações para melhorar a condição dos pacientes e prolongar seu tempo de vida. Agora, o primeiro estudo do tipo no Brasil está prestes a ser publicado. 

Realizado pelo Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da Universidade de São Paulo (USP), o trabalho teve como cerne o desenvolvimento de um algoritmo. Sua tarefa era prever óbitos, em um período de cinco anos, a partir de dados de um grupo de pessoas da terceira idade. Os resultados, que serão publicados em breve, mostram uma precisão de 70% nas previsões feitas pela máquina. 

“Uma ferramenta dessas pode ser usada por médicos e hospitais para iniciar tratamentos preventivos, determinar prioridades de internações e realizar intervenções clínicas”, diz Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Labdaps e responsável pelo estudo. “Ela oferece informação que às vezes os humanos não têm para tomar decisões mais assertivas.” 

Aprendizado.

Para fazer as previsões, a inteligência artificial do Labdaps teve de ser alimentada com dados. O sistema analisou informações do estudo Saúde, Bem-Estar e Envelhecimento (Sabe), da Organização Pan-americana da Saúde: o levantamento acompanha, desde o ano 2000, 2.808 idosos residentes na cidade de São Paulo, com exames médicos, questionários e avaliações funcionais e antropométricas. 

Na primeira fase, o algoritmo analisou informações de 70% dos idosos participantes, checando 37 variáveis presentes no questionário. Algumas delas eram pouco óbvias – como, por exemplo, dificuldade para ir ao banheiro. A ideia não era achar relações diretas entre as perguntas, mas sim analisar um cenário amplo. A partir desses dados, o sistema começou a tirar as próprias conclusões sobre o que leva alguém a óbito, detectando padrões e relações pouco claras para um ser humano. 

Depois, para verificar sua eficácia, a máquina teve de fazer previsões, a partir dos dados iniciais dos outros 30%. É como se uma criança na escola estudasse sete exercícios e depois fizesse uma prova com outros três. O resultado foi que, das 118 mortes que tinham acontecido entre os idosos do segundo grupo, o sistema foi capaz de prever 83 delas.

Próximas lições

Para especialistas, um algoritmo com 70% de precisão tem nível satisfatório para testes iniciais. O próximo passo do estudo, diz Chiavegatto, é treinar o sistema com um banco de dados maior, para que ele se torne ainda mais preciso. No caso específico, o algoritmo da USP será treinado com um banco de informações de 500 mil idosos ingleses. 

É também por ter um banco de dados reduzido que a IA não consegue dizer ainda qual é a provável causa de morte. “Quando tivermos bancos mais completos, composto por prontuários eletrônicos, conseguiremos ser muito mais específicos”, explica Chiavegatto. “Será possível identificar o que pode causar a morte e reverter isso.” Segundo o pesquisador, hoje já há hospitais e planos de saúde interessados no funcionamento de algoritmos preditivos. 

Preocupação.

Antes que o “Doutor Máquina” seja empregado, no entanto, há questões éticas a serem respondidas. “Minha preocupação é que operadoras de saúde e hospitais usem esse tipo de algoritmo para determinar quem recebe tratamento ou tem acesso aos planos”, diz Walter Carnielli, membro do instituto AI² e professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “O governo e a sociedade têm de estar atentos.”

Para o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), a “previsão de morte” por um algoritmo pode trazer problemas. A entidade defende que o uso de IA deve ser regulamentado pela recém-criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) para só então ter uso comercial.

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) diz que nenhum consumidor pode ser impedido de participar de planos privados de assistência à saúde, sob quaisquer critérios. Mas isso não significa que os pacientes terão tratamento garantido. “É possível que, no futuro, um algoritmo de previsão sugira tratamentos que não estão cobertos pelo plano do paciente”, diz Reinaldo Scheibe, presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge). Nesse caso, os planos estariam seguindo a lei, mas o usuário poderá ficar desamparado. 

Na visão de Scheibe, porém, os algoritmos de previsão serão úteis para indicar tratamentos preventivos e reduzir custos de internação. Se isso acontecer dessa forma, os pesquisadores do Labdaps ficarão satisfeitos. “Espero que algoritmos sejam usados de forma positiva. Não gostaria que isso fosse usado para barrar tratamentos”, diz Chiavegatto. Pelo visto, a morte não é a única certeza no horizonte da inteligência artificial. Ela certamente vai encontrar muitas discussões pelo caminho.

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