Telescópio a ser lançado em dezembro deve revolucionar astronomia

Foto: Inspiration4 crew/Fotos Públicas
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A humanidade está prestes a dar um passo muito importante no desafio de avançar nos conhecimentos sobre o Universo e os fenômenos que resultaram no surgimento da vida. Com previsão de lançamento para 18 de dezembro, o Telescópio Espacial James Webb promete não apenas respostas sobre tais fenômenos, mas lançará no ar novas perguntas e desafios para cientistas e para os amantes da astronomia.

Apontado como nova geração de telescópio, o James Webb será o sucessor do Hubble. Para entrar em operação, terá de passar ainda por uma série de procedimentos complexos para os quais serão necessários seis meses de ajustes até que se torne possível dar início ao período de observações. A expectativa é que ele funcione por, pelo menos, cinco anos.

O James Webb Space Telescope (JWST) é um projeto do qual participam, por meio de parcerias, as agências espaciais norte-americana (Nasa) e europeia (ESA). O JWST tem como principal característica a captação de radiação infravermelha.

Se tudo der certo, o telescópio permitirá aos pesquisadores observar a formação das primeiras galáxias e estrelas. Além de estudar a evolução das galáxias, os pesquisadores poderão também observar a produção de elementos pelas estrelas e os processos de formação de estrelas e planetas.

Especialista em astronomia extragaláctica e doutoranda pelo Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (USP), a astrônoma Catarina Aydar resume o James Webb como “um instrumento que vai avançar, como nunca, as fronteiras atuais do conhecimento”.

“Ele funcionará principalmente captando sinais no infravermelho. Sua órbita ficará mais distante que a Lua. Portanto, diferentemente do Hubble, não será possível enviar tripulações para o consertarem, caso apresente algum defeito”, disse à Agência Brasil a astrônoma que, aos 25 anos, teve uma proposta de pesquisa – a ser feita por meio do novo telescópio, sobre duas das galáxias mais distantes já identificadas – aprovada pela Nasa.

Sensibilidade sem precedentes

Para evitar maiores surpresas, todo o processo envolvendo o James Weebb precisará ser feito com muito cuidado e planejamento. Segundo a Nasa, o telescópio levará cerca de três meses para atingir a órbita final: o Ponto de Lagrange L2, localizado além da órbita da Lua, onde as forças gravitacionais das massas cancelam a aceleração centrípeta, gerando uma espécie de “intersecção gravitacional”.

A Nasa explica que, para realizar os estudos pretendidos, com “uma sensibilidade sem precedentes”, o observatório deverá ser mantido frio, livre das grandes fontes de interferência de infravermelho causadas por corpos celestes como o Sol, a Terra e a Lua.

Para bloquear as fontes de irradiação de infravermelho, o James Webb terá, consigo, um “grande escudo solar dobrável metalizado”, a ser aberto no espaço. Seu espelho tem cerca de 6,5 metros de diâmetro.

“O Telescópio Espacial James Webb é uma conquista colossal, construído para transformar nossa visão do universo e fornecer ciência incrível. Ele vai olhar para trás, mais de 13 bilhões de anos, para a luz criada logo após o big bang (uma das teorias mais aceitas pela comunidade científica sobre a origem do Universo), com o poder de mostrar à humanidade os confins do espaço que já vimos. Agora estamos muito perto de desvendar mistérios do cosmos, graças às habilidades e experiência de nossa equipe fenomenal”, afirma o administrador da Nasa, Bill Nelson.

Infravermelho

Para fazer a observação das áreas mais distantes, o James Webb terá, em seus módulos, equipamentos sensíveis à radiação infravermelha: câmera, espectrógrafo e outros instrumentos para analisar o infravermelho emitido pelas fontes miradas por ele. Terá também um módulo responsável pelo transporte de dados coletados, além do telescópio ótico.

“Como o espaço-tempo está em expansão, a luz que chega muito do passado até aqui vai se esticando e assim ficando mais vermelha. Como o JWST observa no infravermelho, seremos capazes de detectar sinais que, para objetos mais próximos, estão na frequência de luz visível (a que enxergamos com os olhos). Assim, poderemos aplicar muitos métodos que são usados nos objetos mais próximos para compreender os objetos mais distantes”, detalha Catarina.

Ela acrescenta que, a partir do estudo das linhas de emissão do espectro, será possível determinar diversas características como o perfil de ionização, a metalicidade, a densidade e até a massa do buraco negro central. “Com outros telescópios, o tipo de informação é diferente porque as cores que a gente observa do objeto são diferentes, fornecendo outras pistas para desvendarmos os mistérios do funcionamento daquela galáxia.”

Vida em outros planetas

Para a pesquisadora brasileira, o novo telescópio deixará um grande legado, o de estimular as pessoas a ampliar seus conhecimentos sobre astronomia, uma vez que, graças a ele, “os próximos anos apontam prosperidade” para este campo científico, inclusive com relação à detecção de vida em outros planetas.

“Duas questões são consideradas para identificar planetas candidatos a abrigar vida: a presença de água em estado líquido e condições atmosféricas adequadas. A distância entre o planeta e a estrela mais próxima nos permite saber se há possibilidade de presença de água líquida”, explica Catarina.

“Com relação à atmosfera, o James Webb nos ajudará na caracterização do que há ali, a partir do reflexo da luz da estrela, após passar por gases atmosféricos”, acrescenta.

Evolução das galáxias

Sobre o projeto aprovado pela Nasa – O Papel da Retroalimentação Núcleos Ativos de Galáxias Emissores em Rádio em Galáxias Massivas em Redshift 4-6, que ela desenvolve sob a orientação de Roderik Overzier, do Observatório Nacional –, Catarina diz que, ao focar em galáxias tão distantes, o estudo possibilitará observar galáxias muito antigas, o que permitirá a produção de conhecimentos sobre a evolução das galáxias.

“Isso significa que estamos observando uma informação muito antiga, de quando o Universo era mais jovem”, diz a pesquisadora.

“As galáxias já desenvolvidas têm um buraco negro supermassivo em seu centro, mas nós ainda não sabemos como se formaram e como eles se relacionam com suas galáxias hospedeiras. Assim, observando as galáxias em seus momentos iniciais e como esses buracos negros se comportavam nesse tempo, tentamos entender melhor o que levou os objetos a serem como são hoje em dia”, afirma.

Os buracos negros centrais capturam matéria. Como consequência, acontecem diversos processos muito energéticos, como jatos e ventos, que interferem na própria dinâmica de alimentação do buraco negro e nos demais fenômenos da galáxia que o hospeda.

Nesse sentido, Catarina explica que o projeto será importante porque responderá a “perguntas fundamentais”, não apenas na comunidade astronômica ou científica, mas também sobre a origem dos seres humanos.

“Quando estudamos o passado que conseguimos enxergar – e tentamos caracterizar as atividades daquela época –, estamos tentando entender a nossa história e o que aconteceu no Universo até chegarmos ao instante em que estamos”, argumenta.

Ciência brasileira

A pesquisadora destaca que, para a ciência brasileira, a participação do país em um “projeto que trabalha com tecnologia de ponta para desvendar os mistérios do Universo” é muito importante porque “reforça o valor e a qualidade da produção científica no país, em meio a tantas dificuldades com a falta de incentivos e recursos para o setor”.

“Além disso, estamos influenciando as próximas gerações a seguirem carreiras científicas, pois as pessoas veem que é possível fazer ciência de ponta, daqui do Brasil, com um telescópio no espaço”, reforça.

Homenagem

O nome escolhido para o novo telescópio espacial é uma homenagem a um antigo administrador da Nasa. James Edwin Webb. Foi ele que liderou o programa Apollo, além de uma série de outras importantes missões espaciais.