Hipóteses para vírus avançar incluem até crime ambiental

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O vírus da febre amarela que ameaça de forma inédita o Estado de São Paulo atravessou o Brasil em uma viagem que desafia pesquisadores de todo o país. As hipóteses vão de fatores ambientais, como o desmatamento, a atividades criminosas -passando pelo descaso de governos.
Estudo que será publicado pelo virologista Pedro Vasconcelos, diretor do Instituto Evandro Chagas, mostra que a cepa encontrada no Sudeste já circulava na Amazônia.
Ele afirma que os motivos desse deslocamento ainda não estão claros, mas diz acreditar em duas explicações: tráfico de animais ou a viagem de pessoas infectadas, mas sem sintomas.
“Macacos e mosquitos podem até levar o vírus para áreas próximas, mas em longas distâncias, não tem como isso acontecer”, diz.
A doença é transmitida por mosquitos infectados em áreas silvestres -o Brasil não tem registro de transmissão urbana desde 1942.
Nas últimas duas décadas, os mapas de áreas de risco elaborados pelo Ministério da Saúde mostram como o vírus, antes concentrado no Norte e no Centro-Oeste, vem avançando em direção à costa.
Em 1997, o desenho incluía basicamente Estados dessas duas regiões e do Maranhão. Nos anos seguintes, os limites foram gradualmente ampliados para incluir Minas, o oeste da Bahia e o norte do Estado de São Paulo. Em parte dessas áreas, surgiram casos onde a doença não se manifestava havia quatro décadas.
A área atual inclui Espírito Santo, quase todo o Rio de Janeiro e parte da capital paulista. O perímetro foi ampliado após o maior surto da doença no Brasil desde o início da série histórica, nos anos 1980. Entre julho de 2016 e junho de 2017, foram registrados 779 casos humanos e 262 óbitos, principalmente em Minas, além de 1.659 epizootias (mortes de grupos de animais) pelo vírus da febre amarela.
Para o epidemiologista Eduardo Massad, da Faculdade de Medicina da USP, a concentração de registros em municípios mineiros da região do rio Doce indica que isso pode estar relacionado ao desastre de Mariana (MG), quando o rompimento de uma barragem provocou uma “onda de lama” que matou peixes e outros animais no rio.
Na avaliação de Massad, a tragédia pode ter contribuído ao exterminar do ecossistema predadores naturais do mosquito transmissor, como os sapos. A hipótese ainda precisa de pesquisas para ser comprovada. Há outros especialistas que acham difícil comprovar a influência direta de Mariana, mas acreditam que o desmatamento pode ter contribuído para a atual situação da doença: em áreas de mata menores, o vírus se disseminaria mais facilmente.
Se há dúvidas sobre o aspecto ambiental, um fato inquestionável é que o estrago feito pelo mosquito teria sido menor se Minas Gerais, há uma década na área de recomendação de vacina, tivesse imunizado a sua população. No início do ano passado, quando o surto teve início, o Estado tinha cobertura vacinal de apenas 49,7%.
Já São Paulo só tinha o norte e noroeste na área de vacinação recomendada.

SILÊNCIO
Os primeiros relatos de febre amarela silvestre no Estado são de 1935, segundo relatório do Centro de Vigilância Epidemiológica. Em 2000, casos voltaram a aparecer, na região noroeste, “após quase 50 anos de silêncio epidemiológico”, e, após registros pontuais em outras áreas do Estado, chegaram à Grande SP.
Para o epidemiologista Pedro Tauil, da UnB, ainda é preciso fazer mais pesquisas para entender essas idas e vindas do vírus. “É possível que as pessoas estejam se aproximando mais de áreas de mata. O fato é que está acontecendo, e o importante agora é evitar a transmissão urbana do vírus”, diz.
Isso pode ocorrer se uma pessoa com febre amarela for picada pelo Aedes aegypti, mosquito transmissor de dengue, zika e chikungnya. Atualmente, a febre amarela é transmitida no Brasil só em áreas de mata, por outros dois tipos de inseto.

(Folhapress)
Foto: Reprodução/TV Globo