Em seu retorno à Chapecoense, o zagueiro Neto ressaltou que precisa se recuperar mentalmente para voltar a jogar futebol. Em coletiva de imprensa, o jogador falou sobre como é triste retornar ao clube sem os companheiros que foram vítimas do avião da Lamia que caiu e matou 71 pessoas, grande parte do elenco da Chapecoense. O atleta também falou dos momentos que passou na Colômbia e de quando acordou do coma sem saber o que havia acontecido.
“É uma situação muito difícil. A gente estava defendendo uma final. Vivi muito tempo com companheiros que se foram, mas Deus tem um propósito para todas as coisas e me escolheu para que algo fosse feito. Tenho que recuperar, porque tenho lesões importantes e uma hora ou outra eu teria que vir para cá e lembrar de tudo. É duro às vezes porque tinha gente que conhecia desde os 17 anos e ficamos sentidos com isso tudo. Tem uma hora que temos que encarar a realidade. Eu queria estar com eles, não aqui sozinho. Mas eu tenho que encarar isso”, ressaltou Neto ao conversar com os jornalistas.
Neto ainda destacou que ainda se recupera mentalmente depois de ter perdido muitos amigos no acidente aéreo. “Primeiro tenho que recuperar minha saúde, minha mente, vir aqui é o que vai me dar força. Eu fiquei 10 dias apagado, em coma, então para me contarem a verdade foram mais 5 dias. Quinze dias depois eu não sabia de nada. Para mim está sendo tudo meio novo, mas tenho que encarar, não tem para onde correr. Ou encaro e represento eles como eram ou vou me afundar em depressão. Eu tenho saudade, mas só penso coisas boas. A gente comentava muito entre a gente que não imaginávamos ir à final e falávamos que íamos ficar para a história. E a gente ficou na história de certa forma. Eu tenho que melhorar a minha mente. Vira e mexe eu me pego chorando quando lembro do que vivi aqui dentro, mas tenho que recuperar, tenho certeza que os caras estão com Deus. É um lugar melhor que a gente está, tenho certeza”, comentou.
O zagueiro ainda falou como se sente fisicamente: “um caco”. “Quando eu falo que estou um caco, minha esposa fala que eu não me vi antes. Para mim, eu estou muito mal. Não era para eu estar aqui. Tenho quase 10 kg para recuperar ainda. Eu me sinto frágil, lesão no pulso. Ninguém imagina estar em uma situação dessas. Eu não sabia nem ficar em pé e engolir comida. Quando entrei no chuveiro pela primeira vez parecia o mar do Caribe de tão bom. Para mim fica uma lição de que coisas simples, estar com família, amigos, esposa, são momentos que parecem normal, mas a vida nossa… é como um sopro. A gente não sabe o dia de amanhã. Eu acho que estou melhorando bem. Tive uma lesão importante no joelho, na coluna, mas nada que seja cirúrgico. Eu acho que eu estou melhorando só de ver meu jeito. Foi algo muito grave e graças a Deus ainda tenho chance de voltar a jogar bola”, relembrou.
O doutor Carlos Mendonça, médico da Chapecoense, declarou que a apresentação de Neto não é uma mera formalidade, e que ele vai começar tratamento, com um tempo pré-estipulado de mais 120 dias para plena recuperação.
Milagre
“A batida, como aconteceram as coisas ainda está muito frescas. A situação como acordei e vi todo mundo [equipe médica]. Eu pensando só no jogo, né. A mente bloqueou tudo. eu perguntei pro doutor o que tinha acontecido comigo e a gente vê como as pessoas olham com outros olhos. Antes falavam que era jogar, como ídolo. Hoje as pessoas me veem como milagre. A gente vai contando aos amigos. A vida é uma luta constante”.
Lembrança
“Sempre vou lembrar a gente entrando no avião. Eu estava meio assim de voltar aqui. A gente tem que ser forte. Se chora de mais se deprime. Passar o Natal em casa, minha esposa falou que a primeira vez que me viu e não acreditava que era eu. Rasgou tudo: pálpebra, nariz, orelha, cabeça. Eu fico emocionado de estar em casa, mas quem foi lá e me viu do início fica ainda mais emocionado que eu. Algumas pessoas falam que pensavam que eu fosse embora. Para mim tem sido uma benção. A gente não escolhe. Eu falo para vocês: foi Deus que me colocou aqui. A situação que vivi não tinha essa de força e treino. Eu sei que muita gente orou por mim quando descobriu que eu estava vivo. Eu não posso responder todo mundo. Eu gostava de ficar no celular e no videogame, eu fico até nervoso no videogame que eu perco: eu falo que não sou eu. A família me olha com um brilho. Eles me viram em uma situação precária”.
DANIEL FASOLIN
CHAPECÓ, SC (UOL/FOLHAPRESS)