Após ter sangue recusado em doação, jovem gay inspira ação no Supremo

Único jornal diário gratuito no metrô

“A enfermeira me perguntou se eu tinha tido relação sexual com outro homem nos últimos 12 meses e disse que eu não poderia doar sangue. Perguntei porquê. Ela disse que simplesmente acatava ordens e que não poderia fazer nada por mim”, relata. “Foi muito constrangedor.”
Cinco anos depois, a história de Júnior Reis, hoje com 23 anos, acabou por inspirar a ação no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a restrição a esse procedimento por homens gays.
Tudo começou quando contou a uma colega que achava que a norma era inconstitucional. Ela então comentou o caso com um advogado do PSB (Partido Socialista Brasileiro), que sugeriu levar o tema à Corte, com o argumento de que a medida é discriminatória.
Atualmente, a restrição à doação de sangue por homens gays consta de duas portarias do Ministério da Saúde e da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
As normas impedem o procedimento por “homens que tiveram relações sexuais com outros homens e parceiras sexuais destes” por até 12 meses após a relação sexual. A justificativa é a maior incidência de HIV entre esses grupos, o que aumentaria o risco de infecção ao receptor do sangue doado.
Segundo Júnior, a norma não foi informada no momento em que recebeu a negativa.
“Ela nem explicou sobre a existência da portaria. Disse apenas que seguia normas, que era assim e eu não poderia doar”, conta.
O namorado ouviu a mesma reposta. “Estávamos juntos há um ano. Chegamos a explicar que usávamos camisinha, mas ainda assim fomos impedidos.” Já o casal de amigos, heterossexual, conseguiu fazer a doação.
Agora, o STF deve decidir sobre a constitucionalidade da norma. Se a Corte for favorável ao pleito, o estudante planeja uma nova ida em breve ao Hemocentro -desta vez, acompanhado de um mutirão de outros jovens gays.

POLÊMICA NO STF
O caso começou a ser julgado na última quinta. Em duas sessões, foi possível ver mostras do tamanho da discussão. De um lado, está o pleito de Júnior e entidades que defendem o direito dos homossexuais, para as quais a medida é discriminatória.
De outro, Ministério da Saúde e Anvisa, para os quais a medida segue recomendações internacionais e o “princípio de precaução”.
Cinco dos 11 ministros do STF já votaram, sendo quatro para promover mudanças nas regras atuais. O julgamento deve ser retomado nesta quinta-feira (26).
Relator do caso, Edson Fachin defendeu que a lei atual seja alterada e destacou que a proibição estimula a homofobia. “Entendo que a orientação sexual não contamina ninguém. O preconceito, sim”, disse. Foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux.
Já Alexandre de Moraes abriu uma divergência e defendeu que o sangue doado por gays e por outras pessoas consideradas de “grupos de risco” deve ser reexaminado depois de um tempo antes de ser utilizado em transfusões.
Assim, para Moraes, a norma poderia ser revista de tal forma que não haveria restrição à doação, porém o uso do sangue doado estaria condicionado a exames após o período da chamada janela imunológica –tempo entre a infecção e sua detecção em exames. Tal prazo, afirmou, deve ser definido pelas autoridades sanitárias.
O ministro Ricardo Lewandowski não concluiu seu voto, mas indicou seguir a divergência aberta por Moraes.
Em nota, Ministério da Saúde e Anvisa negam discriminação e informam que os critérios para seleção de doadores de sangue “estão baseados na proteção dos receptores, visando evitar o risco aumentado para a transmissão de doenças” por transfusão.
Segundo o ministério, a restrição ocorre por 12 meses e não de forma definitiva. Diz ainda que a norma atende a recomendações da Organização Mundial da Saúde e está fundamentada em dados epidemiológicos presentes na literatura médica e científica nacional e internacional.
Para o ministro da Saúde, Ricardo Barros, uma eventual decisão do Judiciário pode ter repercussão em questões de saúde pública e gerar barreiras sanitárias ao Brasil no envio de plasma, que é um dos componentes no sangue, para fracionamento no exterior, o que é necessário para produção de medicamentos hemoderivados para uso no país, por exemplo.

Fonte: Folhapress