Estudo da Unifesp mostra aumento de insegurança alimentar em comunidades de SP

Foto: UNAS Heliópolis
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Um levantamento realizado pelo Departamento de Medicina Preventiva da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp) mostrou que o prolongamento da pandemia de covid-19, que ultrapassa um ano e meio, e a descontinuidade do auxílio emergencial concedido pelo governo federal agravaram a situação de insegurança alimentar em regiões da periferia de São Paulo. A pesquisa foi realizada em Heliópolis e na Vila São José, duas comunidades em situação de vulnerabilidade social da capital paulista.

Para o estudo, foram avaliadas as condições socioeconômicas e demográficas de 424 famílias entrevistadas nas duas regiões, bem como seu acesso aos materiais de higiene, alimentos e ao botijão de gás nos meses de abril e outubro de 2020, assim como no mês de abril de 2021.

“O acesso de alimentos foi avaliado utilizando-se a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar, composta por cinco questões: se a família no último mês apresentou 1) preocupação de que faltasse alimentos antes de comprar ou ganhar mais, 2) se pulou refeições, 3) se reduziu a quantidade dos alimentos nas refeições, 4) se considera a alimentação saudável e variada, 5) se faltou comida. Cada resposta positiva equivaleu a um ponto, enquanto a negativa, zero. Quanto maior a pontuação, maior é a situação de insegurança alimentar, sendo segurança alimentar (0 ponto), insegurança alimentar leve (1-2 pontos), moderada (3 – 4 pontos) e grave ou situação de fome (5 pontos)”, explica Luciana Yuki Tomita, professora do Departamento de Medicina Preventiva da EPM/Unifesp e responsável pelo estudo.

Na prática, descreve Luciana, “a insegurança alimentar leve é quando a família dilui o leite ou feijão para render mais. A moderada é quando há redução na quantidade e muda-se o padrão alimentar da família, com substituição de carne por ovos. A fome é quando a redução quantitativa de alimentos acomete também as crianças”.

Impacto do fim do auxílio emergencial

O levantamento contou com a participação de 424 famílias, a maioria chefiada por mulheres (91%), com média de 33 anos de idade, trabalhando em serviços gerais ou como diarista (55%), ou como dona de casa, desempregada ou aposentada (26%). O perfil de família mais encontrado foi aquele com quatro moradores por domicílio, sendo 96% deles com criança.

Ao longo do semestre, a renda per capita dessas famílias apresentou redução, variando de R﹩ 348, R﹩ 330, R﹩ 300 per capita, respectivamente, nos meses de abril e outubro de 2020 e abril de 2021. Nesse período, observou-se adensamento das famílias, principalmente com crianças. Recebiam auxílio emergencial em abril (33%) e outubro de 2020 (39%), que foi encerrado em dezembro daquele ano. No período, observou-se dificuldade de comprar botijão de gás e produtos básicos de higiene, como álcool gel, álcool líquido e cloro.

“Ao comparar os períodos, nos chamou a atenção a variação estatisticamente significante na distribuição da insegurança alimentar. Na vigência do auxílio emergencial, observou-se menor proporção de famílias em situação de insegurança alimentar moderada e grave, destacadamente em outubro de 2020. Com o seu fim, houve aumento a níveis próximos do início da pandemia”, diz Luciana.

Em abril deste ano, apenas 8% das famílias estavam em segurança alimentar, 35% em situação de insegurança alimentar leve e 57% insegurança alimentar moderada e grave, sendo 8% em situação de fome, o que, para a professora da Unifesp, “mostra que o auxílio emergencial tenha contribuído para a uma melhora na insegurança alimentar, com migração da insegurança moderada para leve, da mesma forma que a descontinuidade do benefício trouxe mais famílias para os quadros mais graves de insegurança alimentar”.

Diante do cenário apresentado, de acordo com a pesquisadora, “é urgente o desenvolvimento de uma política de apoio social com distribuição de renda em valor suficiente para aquisição de alimentos e materiais de necessidade básica, de forma a se garantir o direito humano à alimentação adequada. Paralelamente, é fundamental o incentivo de hortas comunitárias, urbanas, no domicílio e o desenvolvimento da agricultura familiar de manejo orgânico, alimentos da safra, bem como o consumo integral dos alimentos (talos e folhas de tubérculos) como alternativa e estratégia para se garantir o acesso aos alimentos saudáveis e combater a má nutrição, tanto a obesidade quanto a desnutrição ou deficiência de nutrientes”, conclui Luciana.