Naqueles idos do final dos anos 90, quando o frescor da juventude ainda temperava meus passos, foi que iniciei minha jornada nas intrincadas veredas do Direito. Mal sabia eu que, entre as muitas lições que os livros não poderiam me ensinar, estava o valor da verdadeira amizade, esculpida nas ações de um homem cuja grandeza só poderia ser percebida por aqueles que, como eu, tiveram o privilégio de conhecer Aparecido Donizete Begosso, o querido Begosso.
Guarulhos era, à época, um município que, a despeito de suas dificuldades, abrigava corações generosos, prontos a se doar. E Begosso, sempre com uma palavra de ânimo ou um gesto de solidariedade, era a encarnação viva desse espírito comunitário. Não havia para ele maior prazer do que estender a mão àqueles que necessitavam. Tal dedicação se manifestava no CEMMDEROC, idealizado por ele com zelo paternal, onde os guarulhenses, sob o abrigo de sua visão humanista, encontravam não só a recuperação física, mas também o alento moral que os reerguia para a vida.
Recordo-me com clareza do dia em que, no auge da minha juventude, sofri uma fratura no platô tibial durante um jogo de futebol. A dor da lesão logo foi amenizada pela providencial intervenção de Begosso, que, com sua diligência quase paternal, garantiu que eu fosse atendido por um dos mais respeitados ortopedistas de São Paulo. Essa generosidade desinteressada foi o ponto de partida de uma amizade que só se fortaleceu com o passar dos anos, e, aos poucos, nossas famílias se entrelaçaram em laços de fraternidade.
Begosso não era um homem de grandes discursos ou de feitos retumbantes; sua grandeza residia no cotidiano, nas pequenas, porém, significativas ações que realizava sem alarde. Quando a aposentadoria se aproximou, ele, sempre preocupado com o bem-estar de sua família, fundou a H2O Truck, uma empresa destinada à lavagem de caminhões, assegurando que os seus continuassem a viver com dignidade.
Entretanto, o destino, em sua crueldade imprevisível, reservou para nós um capítulo sombrio e trágico. No fatídico dia 19 de outubro de 2021, a vida de Begosso foi brutalmente interrompida. Enquanto trabalhava em seu estabelecimento, aquele que sempre foi um baluarte de bondade e serviço ao próximo, teve sua existência ceifada de maneira vil e covarde.
O crime, foi um ato de extrema violência que abalou profundamente todos aqueles que o conheciam e respeitavam.
O que mais choca não é apenas a perda irreparável de um amigo, de um pai, de um avô, mas a forma desumana com que ele foi arrancado do convívio de sua família e da comunidade. Begosso, que tanto fez pelo bem-estar dos outros, encontrou uma morte que nenhum homem de seu caráter merecia. Fui tomado por uma indignação silenciosa, que se misturava à tristeza profunda de ver um amigo partir de maneira tão cruel.
Agora, com o julgamento marcado para o próximo dia 22 de agosto, a nossa cidade aguarda ansiosamente por justiça. E é com o peso dessa responsabilidade que atuo como assistente de acusação no júri popular. Não só por uma questão de dever profissional, mas por um compromisso moral com a memória de um amigo cuja vida foi dedicada ao bem.
A justiça, não é apenas uma palavra fria nos códigos legais; ela é o alicerce sobre o qual toda sociedade deve se erguer. Que o julgamento seja conduzido com a serenidade e a gravidade que o caso requer, e que os algozes de Begosso sejam punidos com o rigor da lei. Pois só assim, poderemos, talvez, aliviar um pouco do peso que essa tragédia impôs sobre nossos corações e permitir que a alma de Begosso descanse em paz, sabendo que sua luta pela bondade e pela justiça não foi em vão.