Guarulhos e a Lei Henry — Pioneirismo Sem Compromisso


A promulgação da Lei Municipal 8.261/2024, que regulamenta em Guarulhos a Lei Henry Borel (Lei Federal 14.344/2022), representou um marco histórico na defesa dos direitos de crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar. A iniciativa, fruto de longas conversas e articulações que tive com a então vereadora Márcia Taschetti, é símbolo do esforço de uma cidade que se recusa a fechar os olhos diante da dor das vítimas.

A Lei faz de Guarulhos o primeiro município do país a regulamentar a Lei Henry Borel, assumindo protagonismo na luta por políticas públicas que priorizem a infância. Essa conquista ganha ainda mais relevo diante da tragédia que vitimou o pequeno Henry Borel, processo no qual atuo como assistente de acusação. Acompanhar de perto a dor de sua família – e de tantas outras que vivem esse drama em silêncio – reforçou em mim o compromisso de transformar a indignação em ação concreta.

No entanto, como toda legislação inaugural, a nova lei municipal precisa de aprimoramentos para estar à altura daquilo que se propõe. Um dos pontos críticos é a ausência de previsão de dotação orçamentária específica, tal como previsto no artigo 10 da Lei Federal nº 14.344/2022.

A omissão dessa previsão é grave, pois compromete a efetividade da norma. Não basta criar estruturas legais – é preciso garantir os recursos necessários para sua implementação. Sem orçamento próprio, políticas de atendimento, capacitação de servidores, campanhas educativas e plataformas integradas acabam se restringindo ao papel. Em outras palavras: sem verba, não há política pública que resista.

Nessa mesma linha, merece análise o Projeto de Lei nº 167/2025, de autoria do vereador Wellinton Bezerra, que dispõe sobre a publicação periódica de dados estatísticos relacionados a violações de direitos de crianças e adolescentes. A proposta é louvável e coerente com o espírito da Lei Federal, especialmente no que se refere à transparência e sistematização de dados (como previsto no art. 4º, II, da lei federal). No entanto, a nova proposição também incorre na mesma falha da lei anterior: não contempla a previsão orçamentária do art. 10 da legislação federal.

O que falta, portanto, não é uma nova lei, mas uma política pública coerente, articulada e orçamentariamente viável. É preciso que os atuais vereadores e o Executivo Municipal enfrentem com seriedade essa pauta e se comprometam com ações que ultrapassem os simbolismos legislativos. Não podemos mais nos contentar com homenagens legislativas enquanto crianças continuam morrendo ou sofrendo caladas dentro dos lares.

A ex-vereadora Maria Taschetti, ao propor e articular a aprovação da Lei Municipal nº 8.261/2024, demonstrou sensibilidade, compromisso e visão. Seu legado merece ser continuado e respeitado por todos aqueles que hoje ocupam cargos de poder na cidade. O que se espera dos atuais gestores e legisladores é que façam sua parte, regulamentem de forma eficaz a lei, garantam orçamento próprio para sua execução e, acima de tudo, tratem a infância como prioridade absoluta – como determina o artigo 227 da Constituição Federal.