Um levantamento internacional divulgado nesta
quarta-feira, 14, mostra que as cidades brasileiras ainda falham em oferecer
espaços caminháveis e serviços essenciais próximos para seus habitantes.
Realizado pelo Instituto de Políticas de Transporte e Desenvolvimento (ITDP, em
inglês), ele analisou cerca de mil áreas metropolitanas no mundo e mostra que o
Brasil está atrás de Bogotá e Lima, por exemplo.
“A pandemia ajudou a colocar luz sobre a
importância dos espaços públicos e da mobilidade a pé e de bicicleta”,
destaca, ao Estadão, a urbanista Danielle Hope, gerente de
Mobilidade Ativa da organização. “A mobilidade a pé nem é vista como
mobilidade pela maioria das pessoas, embora qualquer deslocamento comece e
termine a pé.”
O estudo é focado em quatro fatores
determinantes para haver o que se chama de boa caminhabilidade: serviços
essenciais (de saúde e educação básica) a até 1 quilômetro de distância;
espaços car free (como calçadões, parques e praças) a, no máximo, 100 metros de
casa; número de quadras por quilômetro quadrado; e densidade ponderada (número
de habitantes calculado na média de pequenos recortes de área).
Esses dados se baseiam na ideia de que áreas com
serviços próximos exigem menores deslocamentos e, com mais densidade, maior é o
número de pessoas com acesso a essas oportunidades. Além disso, como destaca
Danielle, quadras mais curtas facilitam os deslocamentos, reduzindo desvios, e
espaços car free são formas de promover o lazer para todos com maior segurança.
Das metrópoles com 2,5 milhões de habitantes ou
mais, por exemplo, entre as brasileiras, apenas Fortaleza e Recife têm ao menos
60% da população morando a até 1 quilômetro de distância de escolas e espaços
de saúde. Em São Paulo, esse número abrange apenas 47% da população, quase metade
da líder do ranking, Katmandu (com 90%), no Nepal. No caso de cidades com mais
de 500 mil habitantes, a Grande Vitória, no Espírito Santo, se torna uma
exceção, encabeçando o primeiro lugar no ranking latino-americano, com 86%.
A situação se repete nos índices de pessoas que
vivem a até 100 metros de espaços car free. O porcentual é de 85% da população
em Hong Kong, enquanto é menos da metade (38%) no melhor caso brasileiro
(Grande Vitória). Nas metrópoles com ao menos 2,5 milhões de habitantes, a posição
do País mais alta é de São Paulo, com 31%.
Por fim, no caso de densidade ponderada, os
resultados mais próximos da meta de (18 mil pessoas por quilômetro quadrado)
são de Rio (18, 6 mil), Fortaleza (17,9 mil) e Recife (17,6), entre as grandes
metrópoles. Entre as cidades de mais de 500 mil habitantes, a lista também
inclui Belém (18,6 mil), Maceió (18 mil), Manaus (18 mil) e a Baixada Santista
(17,5 mil).
Resultado semelhante ocorre em relação ao número
de quadras por quilômetro quadrado, cujo ideal é 80, semelhante à média de
Fortaleza (74,2), Baixada Santista (88,5), Brasília (77,5) e Grande Vitória
(77,4).
Futuro
Para Danielle, há pouco investimento nas cidades
brasileiras para mudar essa situação. “As cidades estão praticamente reabertas
(após a pandemia), sem nenhuma ação consistente em relação à mobilidade
(durante a crise, surgiram várias ações pelo mundo, incluindo extensão de
calçadas e ampliação de ciclovias).”
Professor de Urbanismo da Mackenzie, Antonio
Claudio Fonseca explica que as cidades brasileiras são pautadas por uma
desigualdade que fica exposta no estudo. Ele cita São Paulo, cujos bairros do
entorno da Paulista tem farta oferta de infraestrutura, realidade distinta da
periferia. Para ele, pequenos investimentos podem trazer resultados e mudanças.
Um exemplo internacional é Bogotá, que se tornou referência em mobilidade após
investir em ciclovias, espaços para pedestres e uma variedade de modais.
Fonseca também comenta que a caminhabilidade
ainda depende de outras mudanças, como a presença de comércios e serviços nos
térreos dos edifícios, boa iluminação e calçadas largas e bem conservadas.
“A cultura do transporte individual, elitizado, via pneu, de automóvel é
muito forte nas nossas cidades”, lamentou.