Política de Segurança de Barragens

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Nas últimas décadas, a tutela dos interesses difusos e coletivos vem ganhando relevância, especialmente diante do destaque que a CR/88 concedeu aos temas de direito material e processual ligados ao assunto. O desenvolvimento da matéria decorre da própria evolução do conceito e da ideia do Estado, de Absolutista, para Liberal e posteriormente para o Social, sob o influxo das gerações dos Direitos Humanos.
A CR/88, disciplinou os direitos e deveres individuais e coletivos, e o art. 5.º inciso, XXXV, garantiu o acesso amplo a Justiça, individual e coletiva. Ademais, houve a ampliação do objeto da ação popular, bem como, a criação do mandado de segurança coletivo, que pode ser impetrado por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados, o que também decorre do direito de representação, ou ainda na legitimidade dos sindicatos do art. 8º, III da CR.
Por consequência, o legislador infraconstitucional passou a expandir o direito penal, com o fim de tutelar o bem jurídico penal difuso ou transindividual, criando figuras simbólicas e hipertróficas, que poderiam ser tutelados no âmbito de intervenção do direito administrativo sancionador.
Assim, entendo que seria mais efetiva e eficiente a legislação que buscasse evitar a conduta lesiva aos direitos difusos e coletivos por meio de sanções administrativas, ao invés de contaminar o sistema jurídico com figuras típicas do direito penal simbólico. Tais conclusões encontram respaldo na realidade fática que o Brasil tem presenciado nos últimos anos.
Em 2015, o rompimento da Barragem de Mariana/MG afetou 35 cidades, causou 1.5 mil hectares de vegetação destruídos e desabrigou 1.265 pessoas. Em 2019, o rompimento da barragem de Brumadinho matou pelo menos 270 pessoas. Segundo a Agência Nacional das Águas, no Brasil são cadastradas 24.092 barragens, destas 3.387 são enquadradas na categoria de risco alto. Segundo dados da ANÁ, quase 3,5 milhões de pessoas (2% da população), vivem em regiões onde estão localizadas barragens em risco de rompimento.
O Estado de São Paulo não está imune à essa realidade, são 70 barragens cadastradas, das quais 47 não estão enquadradas no Plano Nacional de Segurança de Barragens, e, por isso, não passam por análise de risco. Ao todo, 82% das barragens paulistas não passam por fiscalização periódica, colocando a população em iminente perigo. Diante da ausência de legislação que regule a matéria no âmbito administrativo, tragédias continuam a ocorrer, como o rompimento da barragem de Cosmópolis/SP, em 09/03/23.
Assim, a ampliação de figuras do direito penal simbólico não irá surtir efeitos práticos e efetivos na proteção dos direitos difusos e coletivos; de nada valendo o Estado punir com crimes os responsáveis pelo dano, sendo que, a falta de legislação adequada e fiscalização certamente está contribuindo para as catástrofes.
Está em tramite na Assembleia Legislativa de São Paulo, o PL nº 751/19, de autoria do deputado Altair Moraes que Institui a Política Estadual de Segurança de Barragens, enquanto a matéria não for regulamentada, estamos a mercê da sorte, e a qualquer momento, desastres inimagináveis podem ocorrer.